Uma visão profunda pela Medicina Tradicional Chinesa
Acabei de ser agraciada com a chegada da minha netinha do coração, Ághata! Linda! Boquinha cor de morango. Uma ternura moldada de delicadeza. Que traz um ar fresco de vida!
O nascimento de um bebê é cercado de celebração, cuidado e encantamento. Todos os olhares se voltam para a vida que chega, o recém-nascido é acolhido, nutrido, fotografado e amado. Mas há uma figura central nesse acontecimento que, muitas vezes, passa despercebida: a mulher que trouxe esta vida!
Ela sangrou.
Ela se abriu.
Ela se dividiu.
E agora, precisa se reconstruir.
Na Medicina Tradicional Chinesa (MTC), o puerpério, período após o parto, é considerado um momento crítico e sagrado para o corpo e a alma feminina. Não se trata apenas de “voltar ao normal”, mas de conduzir com sabedoria um renascimento interno, onde corpo, mente e espírito precisam ser restaurados. Ignorar esse processo pode comprometer a saúde da mulher por meses ou anos.
Aproveito esse momento para conversarmos um pouco sobre a importância de cuidar com amor e atenção da mamãe que acabou de dar à luz!
A Perspectiva Energética: perda de sangue, essência e Qi
O parto, na visão da MTC, representa uma grande perda de Xue (sangue) e, consequentemente, de Qi (energia vital). O sangue é uma substância preciosa que nutre o corpo e a mente, e que, durante a gestação, foi constantemente compartilhado com o bebê. No momento do parto, essa doação atinge seu ápice, e o corpo materno entra em estado de vazio.
Além do sangue, a mulher também entrega parte do seu Jing (Essência ancestral), especialmente se o parto for extenuante, traumático ou seguido por insônia, má alimentação e amamentação exclusiva sem suporte. Isso a torna energeticamente vulnerável e sujeita a desequilíbrios que, se não cuidados, se acumulam silenciosamente.
Quando essa vitalidade não é reposta com qualidade, surgem síndromes como a deficiência de Sangue do Coração, que se manifesta com insônia, ansiedade e palpitações; a deficiência de Qi do Baço, que gera fadiga, prolapso e digestão lenta; a estagnação do Qi do Fígado, que provoca angústia, raiva contida e sensação de sufocamento; além de quadros de Frio no Útero, que mais tarde podem gerar cólicas, dores lombares e até infertilidade.
O Terreno Emocional: alma materna em reconstrução
Na visão da MTC, emoções e órgãos estão intimamente ligados. Após o parto, muitas mulheres experimentam uma montanha-russa emocional não apenas por alterações hormonais, mas porque seus Zang Fu (órgãos internos) estão em desequilíbrio energético.
O Coração, que abriga o Shen (Mente), sofre com a falta de xue e torna-se inquieto. O Fígado, responsável pelo livre fluxo do Qi, acumula tensões emocionais. O Baço, abalado pela exaustão e por pensamentos incessantes, perde sua capacidade de transformação.
Por isso, o puerpério muitas vezes traz sentimentos contraditórios: amor e medo, plenitude e vazio, alegria e culpa. E se não houver espaço para que essas emoções sejam escutadas e legitimadas, o corpo encontra formas de gritá-las: através da dor, da tristeza persistente ou da sensação de desconexão.
A Fisiologia Feminina: útero, leite e Shen
A MTC reconhece o Útero (Bao Gong – morada do feto) como um centro energético sutil e poderoso. Após o parto, ele está fragilizado, vazio e suscetível a invasões de frio e umidade. A saúde futura da mulher: sua fertilidade, sua menstruação, seu desejo e sua força, depende do cuidado com esse templo nos dias que seguem o nascimento.
A produção do leite, por sua vez, depende de um eixo sutil entre o Qi do Pulmão, o Sangue do Fígado e a nutrição gerada pelo Baço. Quando esses sistemas estão enfraquecidos ou desorganizados, o leite pode empedrar, secar ou não fluir com naturalidade. A exaustão emocional, combinada à privação de sono e à má nutrição, também compromete o Shen, a Mente, tornando a mulher mais vulnerável à ansiedade, à insegurança e a estados depressivos.
Como evitar que as síndromes se instalem
Na tradição da MTC, a saúde da mulher não depende apenas do tempo que passa, mas da qualidade da energia que ela recebe. O puerpério exige um cuidado integral, preventivo e respeitoso, onde o descanso é sagrado, a alimentação é remédio, e a presença é cura.
Prevenir os desequilíbrios mais comuns requer a criação de um ambiente de recolhimento real. A mulher precisa de calor, tanto físico quanto afetivo. Precisa de sopas nutritivas, preparações quentes, alimentos de fácil digestão e ricos em energia vital. Precisa ser protegida de ventos, de exposições frias e do excesso de atividade precoce.
Cuidar também é ser tratada com sabedoria: a acupuntura pode ser iniciada já nos primeiros dias, para restaurar o fluxo de Qi e Sangue, equilibrar as emoções e apoiar a lactação. A moxabustão, aplicada de forma gentil, aquece o útero, expulsa o frio e revitaliza os rins. A fitoterapia e os chás medicinais reforçam o sangue e estabilizam o humor. As práticas corporais suaves, como respirações conscientes, toques sutis e caminhadas lentas, ajudam a mulher a retornar ao corpo com leveza.
Mas, acima de tudo, a prevenção nasce do olhar que cuida sem pressa, do toque que sustenta sem exigir, da escuta que valida sem julgar. É preciso uma rede. Uma presença. Um cuidado continuado.
Conclusão: restaurar a mãe é resgatar a vida
Toda mulher que dá à luz também renasce. Mas esse renascimento só floresce se ela for nutrida, no corpo, na alma e no silêncio de si mesma.
A Medicina Tradicional Chinesa nos ensina que não há puerpério saudável sem acolhimento, presença e escuta. Cuidar da mulher no pós-parto é garantir que ela tenha energia suficiente para amar, nutrir e se sustentar. É permitir que ela permaneça inteira para si, para seu filho e para o mundo.